Olhou-se no espelho e perguntou a si mesmo: “quem és tu?”, como que a querer ver e não só olhar… molhou a cara com a água que aprisionara nas mãos em concha. Fechou a torneira e voltou a olhar-se no espelho. “Quem és tu?”, repetiu para si mesmo, mesmo sabendo que nem tentaria responder-se…
Entra no quarto… um raio de luz, que insiste em passar pelas frinchas do estore mal fechado, desenha os contornos de um corpo feminino por baixo dos lençóis mas nem essa visão afasta a pergunta de si para si e que não quer responder… “quem és tu?”...
Volta para trás, vai até à cozinha, abre o frigorífico e tira um iogurte líquido: laranja, cenoura e ginseng, “depois disto tudo ainda tem iogurte?” Pensaria, se não estivesse completamente absorto em não responder à pergunta que continua a martelar-lhe a mente desde que acordara… “quem és tu?”. Bebe o iogurte mecanicamente enquanto prepara um copo de leite e umas torradas bem tostadas como ela gosta…
- Pequeno almoço na cama… que bom…
- …
- Que cara é essa?
- A minha…
- Miguel... eu conheço-te… o que tens?
- Nada…
- Prefiro que me digas que não queres falar…
- Não é nada. Já passa…
- As torradas estão óptimas, não queres uma?
- Não. … Obrigado…
- Onde vais?
- Já volto…
Desceu até à garagem e entrou no carro, os pneus chiaram com o arranque brusco. Se o carro fosse um tudo nada mais alto teria batido na porta que ainda estava a subir quando passou.
Era domingo, dia dos aselhas mas também de menos trânsito, conduz aparentemente sem destino, não pensa onde vai apenas vai. Só tem um objectivo, o mar, tem de ver o mar.
Chegado ao Guincho estaciona o carro, sai e fica parado olhando o mar revolto. O vento norte afaga-lhe a face e ecoa nos seus ouvidos num uivo familiar…
“Quem és tu?”… a pergunta parece não o querer deixar…
- Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Virou-se repentinamente e olhou-a.
- Joana?! Como adivinhaste? Como vieste até aqui?
- Eu conheço-te Miguel, somos um… e vim de moto.
- … esse poema…
- O nosso favorito… só Pessoa consegue escrever assim!
- Como soubeste que precisava de o ouvir
- Somos um… o teu olhar disse-me.
Abraçam-se.
- Por vezes esqueço-me que és parte de mim, desculpa.
- … e agora já podes dizer o que tens?
Ele sorri e olha-a nos olhos… beijam-se.
- Acordei com uma pergunta que a que não consigo dar uma resposta que me satisfaça…
- …e qual é?
-“Quem és tu?”
Ela sorri.
- Por momentos ainda pensei que fosse algo de grave …
- … não gozes.
- Miguel, quantas pessoas achas que realmente se satisfazem, no sentido que sei que te referes, com as respostas que encontram para essa pergunta?
- Não sei…
Viram-se ambos na direcção do mar e ficam a contemplar em silêncio…
- A pergunta está errada!
- O que queres dizer com isso Joana?
- Quero dizer que devias antes perguntar-te: “quem queres ser tu?”.
- …
- …e que tal se continuássemos esta conversa à frente da lareira? Gosto muito do Guincho mas está frio!
- Ok, leva o carro que eu levo a moto.
- Mas não tens o teu capacete nem blusão…
- Estão na mala do carro, faz o que te digo que estás a tremer.
- Sim meu senhor!
FATifer
Entra no quarto… um raio de luz, que insiste em passar pelas frinchas do estore mal fechado, desenha os contornos de um corpo feminino por baixo dos lençóis mas nem essa visão afasta a pergunta de si para si e que não quer responder… “quem és tu?”...
Volta para trás, vai até à cozinha, abre o frigorífico e tira um iogurte líquido: laranja, cenoura e ginseng, “depois disto tudo ainda tem iogurte?” Pensaria, se não estivesse completamente absorto em não responder à pergunta que continua a martelar-lhe a mente desde que acordara… “quem és tu?”. Bebe o iogurte mecanicamente enquanto prepara um copo de leite e umas torradas bem tostadas como ela gosta…
- Pequeno almoço na cama… que bom…
- …
- Que cara é essa?
- A minha…
- Miguel... eu conheço-te… o que tens?
- Nada…
- Prefiro que me digas que não queres falar…
- Não é nada. Já passa…
- As torradas estão óptimas, não queres uma?
- Não. … Obrigado…
- Onde vais?
- Já volto…
Desceu até à garagem e entrou no carro, os pneus chiaram com o arranque brusco. Se o carro fosse um tudo nada mais alto teria batido na porta que ainda estava a subir quando passou.
Era domingo, dia dos aselhas mas também de menos trânsito, conduz aparentemente sem destino, não pensa onde vai apenas vai. Só tem um objectivo, o mar, tem de ver o mar.
Chegado ao Guincho estaciona o carro, sai e fica parado olhando o mar revolto. O vento norte afaga-lhe a face e ecoa nos seus ouvidos num uivo familiar…
“Quem és tu?”… a pergunta parece não o querer deixar…
- Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Virou-se repentinamente e olhou-a.
- Joana?! Como adivinhaste? Como vieste até aqui?
- Eu conheço-te Miguel, somos um… e vim de moto.
- … esse poema…
- O nosso favorito… só Pessoa consegue escrever assim!
- Como soubeste que precisava de o ouvir
- Somos um… o teu olhar disse-me.
Abraçam-se.
- Por vezes esqueço-me que és parte de mim, desculpa.
- … e agora já podes dizer o que tens?
Ele sorri e olha-a nos olhos… beijam-se.
- Acordei com uma pergunta que a que não consigo dar uma resposta que me satisfaça…
- …e qual é?
-“Quem és tu?”
Ela sorri.
- Por momentos ainda pensei que fosse algo de grave …
- … não gozes.
- Miguel, quantas pessoas achas que realmente se satisfazem, no sentido que sei que te referes, com as respostas que encontram para essa pergunta?
- Não sei…
Viram-se ambos na direcção do mar e ficam a contemplar em silêncio…
- A pergunta está errada!
- O que queres dizer com isso Joana?
- Quero dizer que devias antes perguntar-te: “quem queres ser tu?”.
- …
- …e que tal se continuássemos esta conversa à frente da lareira? Gosto muito do Guincho mas está frio!
- Ok, leva o carro que eu levo a moto.
- Mas não tens o teu capacete nem blusão…
- Estão na mala do carro, faz o que te digo que estás a tremer.
- Sim meu senhor!
FATifer
Só para dizer que não assumo qualquer compromisso de regularidade de publicação dos textos desta história que me apeteceu começar a escrever. Tal como as anteriores vou escrevendo conforme a inspiração e espero que gostem…
ResponderEliminarBom resto de semana para todos,
FATifer
Lindo conto FAT, cheio de interrogações, dúvidas existenciais, compreensão e ... amor.
ResponderEliminarQuantas vezes nos sentimos nessa situação quando olhamos o espelho pela manhã e não nos reconhecemos ?
Será que nós somos quem julgamos ser ?...
ou será, como ela sugeriu, que perguntemos "Quem é que queremos ser ?
.
Rui da Bica,
ResponderEliminarObrigado, ainda bem que gostaste do começo. Sim isto vai continuar… só não sei quantas partes vai ter porque vou escrevendo à medida que me apetece.
Se gostaste deste sugiro que (caso tenhas disponibilidade de tempo) procures na etiqueta “histórias” pelos outros “contos” que já publiquei por aqui, pode ser que também te agradem. Em todos incorporo coisas que vejo, que leio, que sinto… enfim, bocadinhos de mim ;)
Abraço e obrigado por leres,
FATifer
Pelo título do post... podemos deduzir que algumas coisas foram inspiradas por experiências reais? :) Seja como for, gostei muito. Do todo. Mais em particular gostei de como ele lhe fez e levou o pequeno-almoço à cama apesar da questão que o atormentava, de como ele lhe 'foge' para encontrar respostas e ela vem ao seu encontro com as mesmas (ou parte delas, pelo menos), e de como mais uma vez ele coloca a sua tormenta em segundo plano e se preocupa com ela não a deixando levar a mota na volta a casa.
ResponderEliminarCaro Rice Man,
ResponderEliminarO título pretende sugerir que não é primeiro “conto “ que conto por aqui… se são ou não coisas que já vivi deixo à imaginação de quem lê…
Como sempre, aprecio a forma como sabes analisar o que lês e te apercebes do que quero transmitir… ainda bem que gostaste… espero que continues a gostar, quando escrever o que vem a seguir.
Um abraço,
FATifer
Eu gosto sempre muito dos teus protagonistas!
ResponderEliminarPor muitos problemas ou dúvidas existenciais que tenham, nunca deixam de ser uns perfeitos cavalheiros!
Gosto!
:)
Cara deusa Pax,
ResponderEliminarAs minhas histórias espelham o meu mundo e no meu mundo os homens são assim… como sempre tento ser… ainda bem que isso te agrada! :) … (por mais paradoxal que pareça, parece haver mulheres que não pareciam homens assim!)
Um bom exercício seria tentar um protagonista “mau”… talvez um dia me disponha a tentar escrever algo assim mas terei de estar inspirado! ;)
Beijinhos,
FATifer
"parece haver mulheres que não pareciam homens assim!"
ResponderEliminarE também há mulheres que parecem gostar de maus tratos!
Mas depende! Na minha opinião também há momentos para coisas que podem ser assim... como dizer... mais à bruta! ;)
E convém não esquecer que também há mulheres chatas!
Por exemplo aquelas que vão atrás dos homens quando eles precisam de estar sózinhos para pensarem e se refugiam no Guincho!
;)
Gostei de tentar imaginar-te a dares vida a um vilão! Sério! Pensa nisso, vou gostar de ler! :)
Cara deusa Pax,
ResponderEliminarSim, não há dúvida que há gostos para tudo e cada momento pode pedir formas de estar e agir diferentes. O que uns podem achar mulheres “chatas” outros podem ver de outra forma tal como, como dizes, até parece haver aquelas que cumprem o ditado “ quanto mais me bates mais eu gosto de ti” (para alguma coisa existe tal ditado, infelizmente, do meu ponto de vista).
Quanto ao vilão, não é uma ideia nova mas não vejo que nos tempos mais próximos me disponha a tal. Um dia espero ter inspiração para me entregar a criar tal coisa… e também espero que gostes.
Beijinhos,
FATifer