. .
Cansado.
Era como se sentia desde há muito. Cansado.
Acabara de deixar a casa dela pela última vez e sentira-o.
Também ela o sentira. Aquele "até amanhã" fora apenas um murmuro. Vira-lhe as mesmas lágrimas de tantos fins de tarde mas, desta vez, ela não tentou esconde-las: fixou o vazio e, pela primeira vez em tantos anos, não o olhara nos olhos.
Sentia que já não tinha forças para manter o ritual de décadas e ela sabia-o.
Ambos sabiam que já só vinha pelo ritual. Como sempre souberam que só saía pelo mesmo... mas já não importava onde estava: era só já e apenas o cumprir de um ritual.
Há muito que conversavam em silêncio; o silêncio de quem já quase tudo dissera e já quase tudo sentira.
Perdera as forças e, com elas, as memórias...
Mas lembrava-a... linda. Lembrava-lhe o sorriso que lhe iluminava o dia, quando passava a cavalo. Lembrava o dia em que desmontara e a beijara, num impulso. Do primeiro toque e do desejo que, de tantos mais, lhes perdera a conta e de quase todas as tardes em que, entre lençóis de linho, se amaram; desesperadamente contra o tempo...
Mas já nem sabia se alguma vez tinham, verdadeiramente, falado.
Sabia que lhe dera quase tudo. Dera-lhe quase todas as tardes de quase sempre. Dera-lhe quase todo o seu Amor e quase se dera a si próprio. Dera-lhe quase tudo em forma de quases. Os quases todos de quase tudo o que até já quase lhe sabia fugir...
Cansado.
Via a sua própria casa, naquela pequena elevação no final da aldeia, quase como inalcançavel.
Aos oitenta anos, o percurso de uma vida parecia-lhe, agora, muito mais longo.
Sabia que o jantar o esperava. Nestes dias de Inverno, de tardes mais curtas, o jantar era mais cedo e quase sempre lho fizera em silêncio... como quase sempre em silêncio o comiam.
Sabia que ela só conversaria na manhã seguinte. Como se precisasse da noite para esquecer de onde ele vinha. Outro ritual. Como se precisasse de dormir, de esquecer, de voltar a renascer e viver, para recordar tudo de novo e só para de novo o precisar esquecer.
Nunca o recriminara por palavras, apenas e só com a tristeza de mais um e outro doloroso silêncio.
Lembrava-se de que já tinham falado e da admiração que lhe merecia...
Só já nem sabia se alguma vez a tinha, verdadeiramente, amado.
Apenas agora via o seu maior erro:
A ilusão em que vivera e a desilusão em que fizera viver.
Rendia-se, finalmente, ao que se recusara a aceitar:
Que só se vive uma única vez e numa única vida.
Achara que quase vivera duas... mas apenas vivera e fizera viver os quases dos quases das suas quase metades.
.
Stop the world, I wanna get out!
Há 21 horas
Não sei onde vais buscar estas histórias pax, mas são lindas.;)
ResponderEliminarBeijo nina
Vita,
ResponderEliminarA ideia desta só me apareceu depois de ter escrito a primeira :)
Mas, se me inspirar, ainda faço a terceira :)
Obrigada e beijo grande!
Tal como o 1º texto, é triste. Triste como são tristes, as vidas de tantos, como eles...
ResponderEliminarPaulo,
ResponderEliminarTens razão. É um balanço que pode ser visto como triste de uma vida que, como todas as outras, terá tido muitos momentos de felicidade.
Beijos :)
É bonito!!! Muito bonito! :)
ResponderEliminarParabéns...
Bela dissertação.
ResponderEliminarYargo,
ResponderEliminarObrigada linda :)
Beijos :)
Carloressu,
ResponderEliminarGostei que tenhas gostado :)
Beijos :)
Ah, esta é a outra face da moeda da história que contaste anteriormente, né?
ResponderEliminarRealmente, quase todas as histórias tem dois ou mais lados...
Gostei muito! :)
Beijoca!
Teté,
ResponderEliminarÉ. :)
E, se ainda me inspirar, pode ser até que esta moeda ainda venha a ter três lados, lol.
Foi bom saber que gostaste!
Beijos :)
Linda, a história. :) embora me apetecesse dar dois bananos ao velho: um por cada muié que deixou a suspirar por ele.
ResponderEliminarFalta a terceira história, que seria do ponto de vista da amante! :) ou da mulher. :) ainda não percebi muito bem se no primeiro texto falavas da mulher ou da amante. Talvez o terceiro texto elucide isso? :)
ou então sou eu que estou a ver a dobrar...loool! :) isto tá mesmo a fundir...;-)
Mas, muito bom pax, muito bom mesmo. Olha que é um tipo de história que se podia tornar num bonito romancezito. :)))
Van,
ResponderEliminarSe isto não fosse ficção dir-te-ía que a própria vida se tinha encarregue de lhe dar os dois bananos, lol.
Eu aqui não as classificaria por mulher/amante. Isso é a sociedade quem o faz. Aqui, dentro de cada uma, seriam ambas a legitima mas, do ponto de vista social, a amante era a do primeiro texto :)
Ó moça, olha que tu não fundas que eu preciso dessas tuas opiniões! Assim inspiro-me mesmo para o terceiro!
Beijos :)
Pax, continua mesmo...brilhante!
ResponderEliminarFaz-me parar...e pensar (logo a mim que nunca me apetece, lol).
Beijinhos querida e muito obrigada
Excelente Pax, muito bom...ajuda-nos a reflectir sobre o que queremos para nós na vida!!
ResponderEliminarBeijinhos
P@pinh@
Lol, és uma kida. :) tou cansada, mas acho que não é desta que vou fundir lol.
ResponderEliminarCerto, tens toda a razão. A sociedade é que se encarrega desses epitetos. E hoje em dia até se vai assumindo o poliamor looool!
Penso que cada um é livre nas escolhas que faz, e que todas as histórias têm dois lados (neste caso, três!!! :D). Se bem que eu não achasse piada nenhuma se um dia descobrisse que o meu jove andava enrolado com outra...nem é a questão do sexo, se fosse só sexo ainda era como o outro (atenção, isto não é uma autorização pra saltar pra camas alheias!! loool)...penso que ao se assumir um compromisso em moldes comuns, se é decidido que se vão dedicar um ao outro e ser leais um ao outro, é uma traição faltar ao prometido.
Outra coisa é quando há polirelações por comum acordo, se bem que uma pessoa nunca se possa dar totalmente a outra assim, acho eu.
Olha, e ainda podias fazer um 4º capitulo, em que as duas mulheres teriam uma relação homossexual!! =DDDDD
Patrícia,
ResponderEliminarObrigada linda :)
Ainda bem que te faz pensar porque também era isso que eu queria. Queria dar a ideia de que, muitas vezes, se pensa mas pensa-se demasiado tarde e, entretanto, a vida já passou. (Entre outras coisas,lol)
Beijos :)
Papinha,
ResponderEliminarMuito obrigada :)
É isso mesmo: quase tudo na vida são as consequências das nossas escolhas e serão elas, no futuro, o caminho onde já passámos quando olhamos para trás.
Na maior parte das vezes estamos onde escolhemos estar.
Beijos :)
Van,
ResponderEliminarFundes nada! Só precisas de deixar arrefecer um cadito a lâmpada e ficas nova!
;)
"E hoje em dia até se vai assumindo o poliamor looool!"
Já ouvi falar e nem quero informar-me muito que até tenho medo de gostar tanto do conceito que me torne adepta, lol.
"(atenção, isto não é uma autorização pra saltar pra camas alheias!! loool)"
Looooool, já me fizeste dar uma gargalhada. Deixa lá, quem salta pra camas são as pulgas, eles têm bastante mais graciosidade nas mudanças ;)
"ao se assumir um compromisso em moldes comuns"
Aqui é que está! E quem é que decide o que é o "molde comum"? Molde comum, entre dois seres humanos, pode ser um infinito de coisas e vai mudando ao longo do tempo.
Mas compreendo o que dizes.
"é uma traição faltar ao prometido."
Concordo. E ninguém gosta de ser enganado. No entanto nem sempre sabemos o que está por trás de determinada situação porque só vemos o que está visivel.
Não duvido que hajam grandes Amores (desse modo ilicitos), que por diversos factores, inclusive cobardia dos envolvidos, não sejam sinceros com os "oficiais".
Em tempos passados (como é nesta história) isso ainda era mais complicado.
"ainda podias fazer um 4º capitulo, em que as duas mulheres teriam uma relação homossexual!! =DDDDD"
:):):) Isso! Acho que seria uma boa ideia! Lol.
Já fiz um esboço mental de como será a terceira. Vai ter um final menos previsivel (À Crest-aqui entre nós que ele não nos lê;), só ainda não pensei como o farei. Escrevo-a na próxima semana.
Beijos :)
O meu avôzito era assim :)...cum caneco que teve várias vidas numa só! E depois da minha avózita morrer vi algumas fotos das amantes, uma delas a que ele mais gostou, estava nua em cima de uma cama e eu pensei "Cabrão do velho que fez sofrer a velhota estes anos todos, por isso ela guardou as fotos"...e chorei, chorei de tristeza pela avó e chorei de rir ao imagina-lo com aquele ar fragil a dar as suas escapadelas.
ResponderEliminarO pior de tudo é que há tantas pessoas a viverem vidas de mais numa só...nem uma sabem gerir quanto mais várias :). Digo eu digo eu que ando por aqui a vê-las passar...e que já participei activamente numa parecida...ok ok paro por aqui ;)!!!!
Abreijinhosss e gostei do que li...keep doing it!
Afrodite,
ResponderEliminarCada um de nós conhece uma ou duas histórias destas mas quantas mais não terão havido sem que nunca ninguém mais as soubesse!
Acho que para muitos será, sim, uma forma de conseguirem viver mais do uma, numa única vida. Ou pelo menos, viver várias pequenas partes de uma única vida.
Felizmente (ou infelizmente), também nisso, os tempos vão mudando :)
Nem me atrevo a perguntar-te como terá sido essa tua participação numa activa mas sei que tu sabes que só quem por elas passa sabe não julgar e compreender que cada um sabe de si. (E o Deus dos Gatos de todos, lol).
Gostei que tenhas gostado!
I Will!
Beijos :)
ah, ah, ah essa dos avôzitos parece que é comum, ah ah ah (no meu caso é uma suspeita, mas pronto)!
ResponderEliminarquando eu disse moldes comuns, devia ter dito moldes que fossem acordados entre os envolvidos na relação. Se for acordado que não se anda a passear em camas alheias, é traição faltar ao compromisso.
Percebo o que dizes em relação ao poliamor, looool. Mas tb acho que uma relação já é tão dificil de gerir, que não aguentava mais duas ou três ao mesmo tempo loooool! Agora, se fosse só pelo factor cama...mmmm, é melhor fechar a boquinha loooooool! Mas também, parte do amor é o ganho de intimidade, que permite o à vontade em "determinadas situações"(situações em preparos, claro está, daquelas em que a roupinha-ou parte dela- se evapora loool). Acho que era incapaz de ter essa desinibição com outra pessoa.
Van,
ResponderEliminar"Mas tb acho que uma relação já é tão dificil de gerir, que não aguentava mais duas ou três ao mesmo tempo loooool!"
É precisamente por serem ilegais e escondidas que devem ser tão dificeis de gerir :)
Isso da desinibição também é assim mas, como tudo, também acaba por ser uma questão cultural.
(Os velhotes eram uns malandros... nós é que nunca saberemos das missas deles nem a metade!)
Lol.
Sublime!!
ResponderEliminarBeijinhos,
FATifer
PS – Fico à espera de poder escrever “Sublime!!!” ;)
Mas o que se passa contigo, andas a subir a fasquia da escrita?
ResponderEliminarHmmm, acho que assim ainda deixo de escrever estórias...
FATifer,
ResponderEliminarValorizo muito essa palavra em ti por isso mesmo, porque sei que não a usas todos os dias :)
Não deverei conseguir corresponder ao terceiro "!", mas acho que vai ser o mais... hum... depois vês ;)
Obrigada e beijos :)
Crest,
ResponderEliminar"Mas o que se passa contigo, andas a subir a fasquia da escrita?"
Depois de tanto tempo a ler-te... alguma coisa tinha de ter aprendido, não é? :)
Lá para segunda-feira publico a terceira. Como já disse à Van, vai ter um final "à Crest"... ou seja, se quiseres saber, aguenta-te ;)
Beijo babado (mas à distância ;)
Mas no poliamor as várias relações são conhecidas e aceites como naturais entre os varios intervenientes. Mesmo assim, não aguentava! =D
ResponderEliminaré verdade que é uma questão cultural, mas por ex, eu fui educada num lar onde se falava sobre tudo e sai-me uma ganda inibida...
Van,
ResponderEliminarO ideal é mesmo cada um ter a opção de viver exactamente como se sente bem e no sistema com que se sente feliz; seja ele qual for (desde que não prejudique ninguém).
Isso da inibição também evolui (ou pode evoluir). Basta ser isso o que queremos :)
Beijos :)
Gostei Pax, conseguiste retratar muito bem, conseguia enumerar umas quantas pessoas que são assim , só espero que continues, estou a gostar desta tua faceta :)Só espero que a Inspiração continue.
ResponderEliminarBeijos
I.D.Pena,
ResponderEliminarÉ mesmo, todos nós conhecemos casos destes e acho que sempre existirão.
Ainda devo ter inspiração para outro ;)
Espero que também gostes do próximo.
Obrigada e beijos :)
Pax disse...
ResponderEliminar"Depois de tanto tempo a ler-te... alguma coisa tinha de ter aprendido, não é? :)"
Sim, sim, mais abaixo, aí, aí é aí mesmo que doí. Vá massaja-me o ego!
"ai ter um final "à Crest"..."
O que será um final à Crest? Pode ser que outra pessoa a fazer um final à Crest, eu percebo o que isso é :D
Crest,
ResponderEliminar"Vá massaja-me o ego!"
Eu adoro massajar-to!
Até que ainda tenho o pau do marmeleiro guardadinho para ti!
;)
"O que será um final à Crest?"
Um final à Crest é aquele em que, afinal, entre mortos e feridos...
ninguém escapou ;)
Oh Pax,
ResponderEliminarDesculpa a intromissão (desculpa tu também Crest© porque acho que te vou “roubar”, em parte, a resposta) mas não devias ter explicado! Assim já sabemos o que esperar do próximo texto que tanto ansiamos! Tá mal!
:P
Beijinhos,
FATifer
Pax disse
ResponderEliminar"Eu adoro massajar-to!
Até que ainda tenho o pau do marmeleiro guardadinho para ti!
;)"
Sabes o que podes fazer com o pau?
"Um final à Crest é aquele em que, afinal, entre mortos e feridos...
ninguém escapou ;)"
Hmmmm, não me parece que eu fosse assim tão previsível. Pois entre morto e feridos ninguém escapou realmente (ao suposto acidente).
FATifer,
ResponderEliminar"não devias ter explicado! Assim já sabemos o que esperar do próximo texto que tanto ansiamos! Tá mal!"
Sabes nada!
Eu ainda nem sequer te disse que o próximo texto é do ponto de vista do cavalo!
;)
(Agora vou massajar um cadito mais o Crest que está aí em cima a contorcer-se com dores ;)
Crest,
ResponderEliminar"Sabes o que podes fazer com o pau?"
Massajar-te o ego... tens outra melhor? ;)
"Hmmmm, não me parece que eu fosse assim tão previsível."
Tu tens uma capacidade tal de seres imprevisivel e de me surpreenderes que, no dia em que tomares uma atitude previsivel, será essa a minha surpresa :)
Tal como o primeiro está lindo, embora triste, este achei mais triste, acho que a ultima parte, que diz tanto e nos faz pensar nas opções tomadas, este balanç final é que acaba por o tornar triste.
ResponderEliminarMas está muito bom
Bjs
Minhoca,
ResponderEliminarConcordo contigo.
No fundo, aquele que acaba a vida com mais tristeza é mesmo o que mais terá tido influência nas vidas delas duas, e mais opções na sua própria.
Gostei muiiiiito que tenhas gostado :)
:)
Como é que as tuas palavras me fazem chorar...e chorei de dentro, do fundo...
ResponderEliminarAgora tens os dois lados de mim
o que ri e o que chora...
Espero que ao estar rendida, não esteja perdida...
beijinho
(que boa surpresa)
Who,
ResponderEliminarÉ o poder das palavras, que fazem (ou podem fazer) sair os sentimentos... é o poder que temos, de também sentir.
"Agora tens os dois lados de mim
o que ri e o que chora..."
:)
E tu os dois meus também: o do mais da brincadeira e o do mais do sério :)
"(que boa surpresa)"
Gostei de saber que sim :)
Obrigada :)