quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Mais um que conto - parte 2


Joana entrou no carro e arrancou, sabia que ele a apanharia até porque não lhe apetecia andar depressa, mesmo sabendo que aquele carro não tinha sido feito para andar devagar. Poucos minutos depois Miguel já a ultrapassara acenando-lhe adeus. Quando chega a casa está a lareira acesa e dois copos de vinho lado a lado no chão… vai ser uma longa conversa…
Miguel entra na sala com um prato com queijos. Joana sorri e estende-lhe um copo.

- … tantos mimos, estás mesmo carente homem!
- Carente? Tens noção que o que dizes é paradoxal?
- E tu tens noção que te conheço? Quando mais queres atenção mais atenções tens, sempre foste assim…
- …
- Olha, aí tens um bom princípio de resposta à pergunta que dizes que te atormenta. Sim, porque se fosse a tua história que procuravas, bastava-te abrir os álbuns de fotografias…
- Pois, como disseste a pergunta está noutro plano… vim pelo caminho a pensar no que disseste e tens razão.
- Claro que tenho razão! O que me espanta é ter de ser eu a dizer-to… a angústia que te vi no olhar…
- Sim… não há motivo… eu sei… mas talvez por isso mesmo…


Estavam ambos sentados no chão em frente à lareira, copos na mão enquanto ia comendo os pedaços de queijo que ofereciam um ao outro.


- Se isto fosse um daqueles filmes românticos, lamechas, e fosses tu uma donzela sonhadora, dizia que a resposta que te chegaria seria: “és a minha outra metade” e pronto!
- Pois mas..
- Mas não és uma donzela sonhadora, és um lindo homem que não devia ter essas dúvidas existenciais… ou pelo menos não devia deixar que elas o afectassem a este ponto, pois tê-las pode não só ser inevitável como saudável.
- Com uma mulher assim não preciso de psicólogo, na verdade.
- Engraçadinho, não fujas à questão…
- Não estou a fugir…
- O que motivou a tua inquietação?
- …
- … diz lá que sei que já analisaste e sabes muito bem a causa.
- …
- … não me digas que ainda é por causa daquela criança?
- … sim…
- Oh Miguel, tu fizeste tudo o que podias por aquela menina, tu és um excelente cirurgião! Não havia mais nada que pudesse ser feito, todos os teus colegas concordaram…
- Havia sim! Eu podia…
- Miguel! Olha para mim!
- …mas
- Tu és apenas um ser humano, dotado de um dom especial e muito talento mas humano ainda assim.
- Joana… ela…eu…
- Miguel, já te disse para não te culpares!
- Eu sei mas sabes que detesto errar.
- Mas tu não erraste homem! Todos os teus colegas confirmaram que fizeste tudo o que podias.
- Mas não foi suficiente…
- Miguel, eu sei que nunca te tinha morrido ninguém na mesa de operação mas…
- Mas tenho de aceitar, não é? As pessoas morrem…
- Por mais que te custe sim, é verdade…
- Oh Joana mas tu não olhaste nos olhos dela…
- Mas vi os olhos da mãe que, mesmo com toda a dor ainda me agradeceu porque tu tinhas feito o possível para salvar a filha. Ela estava muito mal… aliás só de pensar nisso até fico mal disposta.

Miguel coloca o copo vazio ao pé do copo de Joana que estava no chão perto do prato e abraça-a. Ficam os dois a olhar as chamas…



FATifer

6 comentários:

  1. Então ele leva-lhe o pequeno almoço à cama, depois resolve ir ver o mar, ela segue-o (olha que é preciso conhecer muito bem uma pessoa, para se acertar assim em cheio no local onde ela vai desanuviar...), está frio e voltam para casa, para beber vinho junto à lareira? Hummm... a cronologia parece um pouco estranha... :)

    Beijocas!

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  2. Cara Teté,

    Concordo que, como dizes, “a cronologia parece um pouco estranha” mas como este texto não tem pretensões de ser nenhum retrato fiel de nenhuma realidade… foi assim que escrevi. Beber vinho em frente à lareira devia ser à noite ou fim da tarde, não é? :P

    Quando crio algo raramente que deixo “prender” no “normal” e expectável a menos que tal seja um requisito do que estou a criar…


    “(olha que é preciso conhecer muito bem uma pessoa, para se acertar assim em cheio no local onde ela vai desanuviar...)”

    Concordo mas é uma das ilusões que gosto de alimentar, que duas pessoas podem conhecer-se assim tão bem ;)


    Ainda não sei como vai acabar esta história pois, como sempre, vou escrevendo ao sabor da inspiração do momento. Mas fico contente que tenhas lido até agora e espero que leias até ao fim, para depois me dizeres se ficou assim tão “estranha”. Sim porque sei que a tua opinião é honesta, dizes o que pensas, coisa que aprecio bastante.

    Beijinhos,
    FATifer

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  3. Está provado!
    O Miguel está mesmo com problemas muito sérios!
    Em frente à lareira, um copo de vinho na mão, a mulher ao lado, queijinho cá queijinho lá... e falarem de assuntos desses... mal empregada lenha!

    ;)

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  4. Cara deusa Pax,

    (o que tu queres sei eu mas esse desafio já cumpri noutro conto :P)

    Cada um gasta a sua lenha como quer! :P

    Sei que não gostas de ter calma mas ainda só estamos na 2ª parte… ;)


    Beijinhos,
    FATifer

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  5. Lol, fui assim tão óbvia?! ;)

    "Cada um gasta a sua lenha como quer!"

    Ou consoante a caldeira lhe permite...

    "Sei que não gostas de ter calma"

    Estou a ficar demasiado previsível ou tu demasiado perspicaz?

    Continua :)

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  6. Cara deusa Pax,

    Não sei se estou mais perspicaz ou tu mais previsível mas há coisas que são fáceis de ver/ler ;)

    Continuarei… em breve…

    Beijinhos,
    FATifer

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