Sentou-se no cadeirão de couro, uma das peças mais clássicas (e antigas) daquela casa, que resistia às tendências modernistas da filha. Pega no disco favorito dela, uma das primeiras prendas que lhe oferecera no inicio do namoro. Coloca no prato… a agulha toca a superfície
“I’ve got you under my skin…
I’ve got you deep in the heart of me”
Ela adorava “the voice” e esta era uma das suas músicas preferidas de Sinatra. Hoje parecia que estar preso às memórias… volta recordar…
- Falando dela… a minha esposa Elisabeth.
- Encantado sra.
- A gentleman for a change... excuse me, but I do not dare speak in Portuguese.
- Percebe inglês, espero?
- Sim, yes….
- Este cavalheiro teve de trazer a nossa filha a casa pois ela esqueceu-se de mandar arranjar o pneu, como lhe tinha dito!
- Paizinho…
- You should have taken care of that yourself, you know she does not pay attention to those trivial things.
- Sim querida, eu sei… ele vai jantar connosco, a nossa filha convidou.
- Where were you Isabél?
- No guincho mother.
- I should have guessed! And if this nice gentleman was not there?...
- Mother please!...
- Bebe alguma coisa?
- Aaa…sim aceito…
- Moscatel?
- Sim pode ser…
Levanta-se, o bar já não está no mesmo local em que estava naquela noite mas o moscatel roxo, que lhe tinha oferecido o futuro sogro, sempre figurara como opção naquela casa. Serve-se enquanto relembra a forma como o Sr. Álvaro Nogueira o servira. Ex cônsul em Inglaterra, onde conhecera a esposa, era um homem com uma forma de estar muito própria. Embora visivelmente estivesse habituado a um certo requinte, não escondia alguma rudeza de modos, patente na forma fechara a garrafa com uma pancada brusca e seca. Da mesma forma que a esposa insistia em não falar em português, ele insistia em falar com ela só em português. Tinha mesmo uma forma de estar muito própria…
- So Mr.?
- Silveira, Guilherme Silveira.
- You saved my Isabel from a cold night out and here you are… I hope you like rabbit ?
- Sim… aaa… yes…
- Vejo, está baralhado, não sabe se deve responder em português ou inglês, não é?
- Exacto!
- Either way I can understand you Mr. Silvera.
- Sim… well…
- Pois faça como eu, fale em português que é nossa língua!
- O meu pai bem queria que a minha mãe falasse em português mas…
- Your father would enjoy that, so he could embarrass me as I embarrassed him once.
- Querida isso foi há tanto tempo…
- But you still remember it… I know you, Mr. Nougúeira!
- Querida…
- Guilherme… posso tratá-lo por Guilherme não posso?
- Sim claro…
- O que me diz deste coelho?
- Está muito bom e o vinho liga muito bem.
- Sim, o que quiser saber sobre vinho pergunte ao meu pai!
- Como caracterizaria este vinho Sr. Silveira?
- Frutado, com sabor a frutos silvestres e madeira… diria que é um douro jovem.
- Hum… muito bem, vejo que sabe algo sobre vinhos.
Saboreia um Esteva que escolhera para acompanhar a pizza que pedira pelo telefone… jantar de recurso por ter dado folga à empregada. Lembra-se da cara que ela fizera ao ver que o pai tinha gostado da sua resposta, teria sido ali que começara a conquistar a sua Isabel…
Voltou ao cadeirão, café pousado na mesinha de apoio ao lado do Talisker, pega no comando do cd player… o som do piano de Keith Jarrett enche a sala “The Köln Concert”, uma prenda da filha que sabia tão bem o que ele gostava.
A chávena do café está já vazia e do whisky sobra apenas o último gole que ele tarda em engolir, brincando com o líquido até deixar os bordos da língua dormentes. Recorda agora o final daquela noite…
- Sr. Silveira uma vez mais lhe agradeço a sua gentileza para com a minha filha.
- Ora essa, eu é que tenho de agradecer por este jantar maravilhoso.
- Mr. Silvera thank you.
- Mrs. Nogueira, thank you for your hospitality.
- Eu acompanho o Guilherme à porta…
- … obrigado.
- O meu pai gostou de si e eu também. Ainda bem que aquele pneu furou.
- Confesso que, quando decidi ir ver o pôr do sol ao guincho nunca imaginaria que fosse dar nisto…
- A vida tem destas coisas…
- Pois tem… e como vou conseguir voltar a vê-la?
- A vida arranjou maneira uma vez… mas caso precise de uma ajuda eu estudo na Faculdade de Letras.
- Muito bem…
- Boa noite Guilherme.
- Boa noite menina Isabel.
De pé à janela, olha a rua que percorreu tantos anos antes, está diferente mas igual… a lua cheia, tal como naquela noite, ilumina-lhe os pensamentos.
Como estará a filha? Onde já se viu ir sozinha para tão longe? Tinha-se oferecido para ir com ela mas, tal como a mãe, ela era muito teimosa. A culpa era dele por lhe contar as histórias da vida dele… a ideia de visitar a Nova Zelândia sozinha tinha que ter vindo das histórias que ele lhe contara… aquela viagem de lua de mel que lhe tinha contado tantas vezes em pequena… no fundo sabia que a filha tinha razão, que era mais que capaz de cuidar dela e até estava feliz de a ver a concretizar um sonho mas, pai é pai e preocupa-se.
Volta a sentar-se no cadeirão com mais um pouco de Talisker no copo… saboreia enquanto brinca com o copo, equilibrando-o em dois dedos.
Olha o retrato da sogra, Elisabeth, a filha é a imagem da avó e da mãe: alta, loura, olhos muito azuis, (de pomba dizem alguns), faces rosadas, feições perfeitas, figura esbelta… seres divinos, era a melhor forma que sempre arranjara para as caracterizar.
Amanhã será outro dia mas não deixará de pensar na filha!
(continua)
FATifer
“I’ve got you under my skin…
I’ve got you deep in the heart of me”
Ela adorava “the voice” e esta era uma das suas músicas preferidas de Sinatra. Hoje parecia que estar preso às memórias… volta recordar…
- Falando dela… a minha esposa Elisabeth.
- Encantado sra.
- A gentleman for a change... excuse me, but I do not dare speak in Portuguese.
- Percebe inglês, espero?
- Sim, yes….
- Este cavalheiro teve de trazer a nossa filha a casa pois ela esqueceu-se de mandar arranjar o pneu, como lhe tinha dito!
- Paizinho…
- You should have taken care of that yourself, you know she does not pay attention to those trivial things.
- Sim querida, eu sei… ele vai jantar connosco, a nossa filha convidou.
- Where were you Isabél?
- No guincho mother.
- I should have guessed! And if this nice gentleman was not there?...
- Mother please!...
- Bebe alguma coisa?
- Aaa…sim aceito…
- Moscatel?
- Sim pode ser…
Levanta-se, o bar já não está no mesmo local em que estava naquela noite mas o moscatel roxo, que lhe tinha oferecido o futuro sogro, sempre figurara como opção naquela casa. Serve-se enquanto relembra a forma como o Sr. Álvaro Nogueira o servira. Ex cônsul em Inglaterra, onde conhecera a esposa, era um homem com uma forma de estar muito própria. Embora visivelmente estivesse habituado a um certo requinte, não escondia alguma rudeza de modos, patente na forma fechara a garrafa com uma pancada brusca e seca. Da mesma forma que a esposa insistia em não falar em português, ele insistia em falar com ela só em português. Tinha mesmo uma forma de estar muito própria…
- So Mr.?
- Silveira, Guilherme Silveira.
- You saved my Isabel from a cold night out and here you are… I hope you like rabbit ?
- Sim… aaa… yes…
- Vejo, está baralhado, não sabe se deve responder em português ou inglês, não é?
- Exacto!
- Either way I can understand you Mr. Silvera.
- Sim… well…
- Pois faça como eu, fale em português que é nossa língua!
- O meu pai bem queria que a minha mãe falasse em português mas…
- Your father would enjoy that, so he could embarrass me as I embarrassed him once.
- Querida isso foi há tanto tempo…
- But you still remember it… I know you, Mr. Nougúeira!
- Querida…
- Guilherme… posso tratá-lo por Guilherme não posso?
- Sim claro…
- O que me diz deste coelho?
- Está muito bom e o vinho liga muito bem.
- Sim, o que quiser saber sobre vinho pergunte ao meu pai!
- Como caracterizaria este vinho Sr. Silveira?
- Frutado, com sabor a frutos silvestres e madeira… diria que é um douro jovem.
- Hum… muito bem, vejo que sabe algo sobre vinhos.
Saboreia um Esteva que escolhera para acompanhar a pizza que pedira pelo telefone… jantar de recurso por ter dado folga à empregada. Lembra-se da cara que ela fizera ao ver que o pai tinha gostado da sua resposta, teria sido ali que começara a conquistar a sua Isabel…
Voltou ao cadeirão, café pousado na mesinha de apoio ao lado do Talisker, pega no comando do cd player… o som do piano de Keith Jarrett enche a sala “The Köln Concert”, uma prenda da filha que sabia tão bem o que ele gostava.
A chávena do café está já vazia e do whisky sobra apenas o último gole que ele tarda em engolir, brincando com o líquido até deixar os bordos da língua dormentes. Recorda agora o final daquela noite…
- Sr. Silveira uma vez mais lhe agradeço a sua gentileza para com a minha filha.
- Ora essa, eu é que tenho de agradecer por este jantar maravilhoso.
- Mr. Silvera thank you.
- Mrs. Nogueira, thank you for your hospitality.
- Eu acompanho o Guilherme à porta…
- … obrigado.
- O meu pai gostou de si e eu também. Ainda bem que aquele pneu furou.
- Confesso que, quando decidi ir ver o pôr do sol ao guincho nunca imaginaria que fosse dar nisto…
- A vida tem destas coisas…
- Pois tem… e como vou conseguir voltar a vê-la?
- A vida arranjou maneira uma vez… mas caso precise de uma ajuda eu estudo na Faculdade de Letras.
- Muito bem…
- Boa noite Guilherme.
- Boa noite menina Isabel.
De pé à janela, olha a rua que percorreu tantos anos antes, está diferente mas igual… a lua cheia, tal como naquela noite, ilumina-lhe os pensamentos.
Como estará a filha? Onde já se viu ir sozinha para tão longe? Tinha-se oferecido para ir com ela mas, tal como a mãe, ela era muito teimosa. A culpa era dele por lhe contar as histórias da vida dele… a ideia de visitar a Nova Zelândia sozinha tinha que ter vindo das histórias que ele lhe contara… aquela viagem de lua de mel que lhe tinha contado tantas vezes em pequena… no fundo sabia que a filha tinha razão, que era mais que capaz de cuidar dela e até estava feliz de a ver a concretizar um sonho mas, pai é pai e preocupa-se.
Volta a sentar-se no cadeirão com mais um pouco de Talisker no copo… saboreia enquanto brinca com o copo, equilibrando-o em dois dedos.
Olha o retrato da sogra, Elisabeth, a filha é a imagem da avó e da mãe: alta, loura, olhos muito azuis, (de pomba dizem alguns), faces rosadas, feições perfeitas, figura esbelta… seres divinos, era a melhor forma que sempre arranjara para as caracterizar.
Amanhã será outro dia mas não deixará de pensar na filha!
(continua)
FATifer
Nasceu aqui um autêntico romance ou é minha impressão?
ResponderEliminar:)
Lindo, continua.
Beijos :)
Cara Pax,
ResponderEliminarBem!... romance?!... calma, foram só dois textos… mas fico contente que coloques essa hipótese e que me consideres capaz de escrever um romance ;)
Continuarei… não sei o que vai dar mas sim, está-me a dar prazer em escrever estes textos (como diz o nosso novo cabeçalho).
Obrigado pelo “lindo”.
Beijinhos,
FATifer
Se continuares a escrever textos assim, no final tens o romance completo.
ResponderEliminarE será o prazer de juntar o teu prazer de escrever ao nosso prazer em ler :)
Beijos :)
Pax,
ResponderEliminar“Se continuares a escrever textos assim, no final tens o romance completo.”
Não sei se terei inspiração para tanto… mas que estou a gostar de escrever, estou (e claro de saber que agrada o que escrevo!)
:)
Beijinhos,
FATifer
Estou a adorar...e pela amostra quando deres conta não tens uns simples textos... aí concordo com a pAX!!
ResponderEliminarE nós estamos aqui para ler com muito prazer...
beijinhos
P@pinh@
Papinha,
ResponderEliminarContinuas a adorar, fico contente…
Acho que estão a valorizar em demasia o que escrevi (bondade vossa) mas o meu ego agradece ;)
Tentarei continuar a proporcionar-vos o prazer de leitura que até aqui consegui ( a julgar pelas vossas palavras).
Beijinhos,
FATifer
Bem, estou um pouco confuso, pois nao estou a ver onde isto vai dar.
ResponderEliminarFAT, um texto curto pode ser chamado de romance, nao tem de ter 300 páginas. Isto pode ser o esqueleto de onde um romance pode nascer.
Crest©,
ResponderEliminarPara te ser sincero nem eu sei onde isto vai dar (daí que tu também tenhas dificuldade) apenas me apeteceu escrever… tentei manter uma certa coerência entre os dois textos (mas com certeza me poderás apontar falhas). Ontem escrevi um pouco do “Parte III” e só posso dizer que me está a dar gozo…
Quanto a questão do romance, assumo a minha ignorância quanto aos critérios de classificação. As reservas que coloquei, quando a Pax mencionou o termo, estão mais no campo da qualidade literária dos meus textos. Estes são apenas textos, como outros que já tinha escrito, onde invento personagens, situações, misturo coisas que vi com coisas que gostava de ter visto e que imagino… um mero exercício de escrita para minha satisfação. Desta vez decidi partilhar e não vou dizer (até porque já o disse) que não me agrada ver que gostam de ler, faz sempre bem ao ego.
Enquanto me estiver a dar prazer continuarei a escrever neste registo, só porque me apetece… se começamos a falar romance, começo a pensar em direitos de autor e afins e acho que perde a piada…
Um abraço e obrigado por leres,
FATifer