Achara a memória mas o efeito não fora o esperado, sentira-se mais vazio em vez de completo. A luta interior agrava-se pois a frase do amigo não pára de ecoar na sua mente. Usara os dois trunfos mais poderosos que tinha e mesmo assim não conseguira vencê-la.
“- Será que ele tem razão? Será que …?”
A dúvida instalava-se, é impressionante como o retirar de uma pequena pedra pode ser o suficiente para rebentar o dique inteiro… a fortaleza interior dele ruía, as suas certezas passavam a dúvidas. Reconhece que tudo isto não é novo, estas dúvidas atormentavam-no há muito mas tornara-se um mestre a ignorá-las. Porque havia de voltar a amar? A sua mulher era perfeita, a história de amor um conto de fadas e tinha a filha para cuidar. Mas a filha era já uma mulher, não precisava da sua protecção como outrora. Tudo isso começara a criar, ou a evidenciar, o vazio que sentia. Tinham-lhe roubado a sua luz. Desde então abdicara de voltar a ser feliz, convencendo-se que seria impossível alcançar a felicidade que já tivera ao lado dela, da sua Isabel…
Desce até à garagem entra no carro, os pneus chiam com o arranque. É uma sorte o carro ser baixo senão teria batido na porta que não deixara levantar por completo. Conduz como um louco pelas ruas desertas, os pneus chiam a cada curva mas as trajectórias são perfeitas o carro parece colado ao asfalto. Chegou finalmente, pára o carro com uma travagem estridente, sai, bate a porta com força. Carrega no botão ouve-se o barulho habitual e os quatro piscas acendem duas vezes.
- Quem é?
- Sou eu...
- Guilherme? Que se passa?
- Abre a porta por favor!
- Ok, ok, já abri.
- …
- O que fazes aqui a esta hora?
- Preciso de te perguntar uma coisa…
- O que foi, que coisa tão importante é essa que não podia esperar até amanhã? … quer dizer, logo, são 4 da manhã!
- Tu gostas de mim?
- Que pergunta é essa? Perguntas parvas a uma hora destas! Claro que gosto de ti!
- Não percebeste, eu perguntei se me amas?
- Guilherme Manuel Costa Silveira, tu estiveste a beber?
- Responde, Sofia!
- Não estou a gostar do tom, nem da brincadeira. Que se passa contigo?
Agarra-a pelos braços encostando-a à parede. Olham-se fixamente, os narizes não distam mais de uns centímetros.
Nos olhos dele ela vê, por detrás da raiva, um pedido de ajuda.
- Sofia… responde por favor…
- Não é a melhor altura para termos esta conversa Guilherme.
- Eu vejo nos teus nos olhos que gostas de mim! Sempre vi mas estava demasiado ocupado a ter pena de mim para tomar consciência disso.
- Guilherme não faças isto…
- Não faças o quê? Dizer a verdade? Não é isso que sempre fizemos os dois um com o outro?
- Sim, desde que nos conhecemos sempre tivemos esse pacto de verdade.
- Então porque não me disseste que gostas de mim?!.
- …
- …
- … se queres mesmo ter esta conversa, então eu respondo-te…
- Então responde!…
- Porque não me terias ouvido! Porque ter-te-ias afastado de mim…
- …
- Sim, não faças essa cara! Se tivesse dito que te amava, perdia-te…
- …
- Por isso, por mais que te quisesse como homem, preferi conservar-te como amigo a perder-te para sempre…
- Oh Sofia… como eu…
- És parvo?
- Sim…
Largara-a, dera um passo atrás e olhava-a com um olhar desesperadamente vago, de quem não sabe como pedir perdão…
- Guilherme… deixaste que a Isabel ocupasse todo o espaço do teu coração… não havia espaço para mim… percebi isso há muito…
- Mas… as tuas piadas…
- As minhas piadas são fruto da minha forma de ser, a máscara que encontrei para te testar e tentar abrir-te os olhos…
- Sim… o pior cego é aquele que não quer ver!
- Pois é…
- Quando o Carlos ontem me perguntou “quando é que arranjas uma gaja?” pensei em ti…
- …
- Aliás sempre que ele me perguntou isso pensei em ti, por mais que não quisesse admitir nem para mim próprio, foi em ti que sempre pensei…
- Guilherme não faças isto… por favor…
- O que foi?
- Não me alimentes as esperanças…
- Mas…
- Tu amanhã voltas à tua Isabel e eu … fico aqui a pensar em ti…
- A Isabel está morta…
- Pois está Guilherme mas para ti, nunca morrerá…
- Não Sofia… A ISABEL ESTÁ MORTA!
Cai de joelhos no chão num choro compulsivo… Sofia abraça-o… nunca o vira assim… nunca o vira chorar… nem na cerimónia fúnebre de Isabel o vira chorar… mas agora parecia que tinha vindo tudo de uma vez…
Sofia sentou-se encostada à parede e ele pousou a cabeça no seu colo … ainda chorava, agora já não tão compulsivamente, apenas um soluço de quando em vez… ficaram assim quase uma hora… ela a passar-lhe a mão pelos cabelos, tentando não chorar, ele soluçando num choro que parecia não ter fim…
- Guilherme?...
- …
- Queres um copo de leite morno?
- …
- ... Guilherme? …
- Sabes que só bebo leite frio.
A voz estava quase normal….levantou a cabeça e voltou a olhá-la nos olhos… o silêncio era quase total apenas a respiração dele ainda se ouvia, por ainda não ter voltado ao normal.
- Sofia… desculpa a cena…
- Não tens de pedir desculpa, somos amigos… e é para isto que servem os amigos.
- Sim somos amigos… aliás lembro-me de um pacto que fizemos, lembras-te?
- … lembro sim…
- E então que me dizes?
- Se bem me lembro o pacto era que, se ambos chegássemos aos 60 sozinhos, íamos viver juntos. Tu podes estar quase mas a mim ainda me falta uns aninhos para os 60.
- Poucos…
- Guilherme o que é que te pedi? Não brinques com os meus sentimentos, por favor.
- Não estou a brincar… estou a pedir-te que me ajudes.
- Como assim?
- Eu sei que tens razão, que deixei que a Isabel ocupasse todo o meu coração… por isso preciso de alguém que queira lutar por um espaço aqui dentro.
- …
- E esse alguém és tu! Senti-o quando o Carlos me disse aquela frase. Senti-o ontem quando nos divertíamos nos nossos passeios… acho que sempre o senti… mas não ligava…
- Guilherme… não sei que dizer….
- … diz que queres lutar por um lugar no meu coração… um lugar ao lado da Isabel…
- …estás realmente disposto a dar-me essa hipótese?
- Estou… só tu serás capaz, és a única pessoa viva, além da Helena, por quem daria a minha vida, por isso, tens de ser tu!
Uma lágrima escorre pela face de Sofia ao ouvir estas palavras… com o polegar ele limpa a lágrima numa carícia e depois puxa-a para junto dele, abraçando-a. Ela deixa-se aconchegar, é bom sentir o seu calor e aqueles braços fortes à volta dela.
(continua)
FATifer
Pronto...
ResponderEliminarAgora já não vou conseguir bater-lhe mais...
Shuif...
Acho que este foi o texto que gostei mais até agora. E olha que já tinha gostado muito dos outros!
Neste está muita emoção e muito despertar. Gostei :)
Esse pacto de casar aos x anos se estiverem sózinhos é um disparate. Casarão ambos por Amor e antes disso, seja um com o outro, seja com outras pessoas, disso não duvido.
O homem tomou uma iniciativa e às 4h da manhã! Viva!!!!!
Parabéns e beijos :)
Muito bom!!! Estou a adorar...cada momento.... quando acabar vou sentir falta, destes momentos de leitura ;)
ResponderEliminarBeijinhos
P@pinh@
Pax,
ResponderEliminar“Pronto...
Agora já não vou conseguir bater-lhe mais...
Shuif...”
:)
“Acho que este foi o texto que gostei mais até agora. E olha que já tinha gostado muito dos outros!
Neste está muita emoção e muito despertar. Gostei :)”
Ainda bem que consegui transmitir… também foi o que escrevi mais rápido, escrevi-o logo a seguir a acabar o parte VII … parecia que queria sair, assim, por ele…
“Esse pacto de casar aos x anos se estiverem sózinhos é um disparate.”
Talvez…
“Casarão ambos por Amor e antes disso, seja um com o outro, seja com outras pessoas, disso não duvido.”
Vamos ver…
“O homem tomou uma iniciativa e às 4h da manhã! Viva!!!!!”
Lá está, nem tudo é o que parece… não se deve “julgar” sem se saber tudo :P
“Parabéns e beijos :)”
Obrigado e obrigado por acompanhares esta história motivando-me a torná-la cada vez melhor.
Beijinhos,
FATifer
Papinha,
ResponderEliminar“Muito bom!!! Estou a adorar...cada momento....”
Continuo contente que assim seja, é bom saber que agrada.
“… quando acabar vou sentir falta, destes momentos de leitura ;)”
Tudo tem o seu fim e aqui já não falta muito… (sorry)
Beijinhos,
FATifer
Bem...cada vez melhor...cada vez com mais vontade de lêr. Depressa, quero o resto!
ResponderEliminarBeijinhos Fatifer
"“Esse pacto de casar aos x anos se estiverem sózinhos é um disparate.”
ResponderEliminarTalvez…"
Não é talvez, é mesmo. Eu é que sei :)
"Vamos ver…"
Não vamos ver mas também não será preciso.
"Obrigado e obrigado por acompanhares esta história motivando-me a torná-la cada vez melhor."
Obrigada a ti pelo prazer da partilha :)
Ah, ah, estás a conseguir dar a volta ao texto! :)
ResponderEliminarE continuo a ler tudo, tudo, mas a opinião reservo-a para o final...
Jinhos e bom fim de semana! (igualmente inspirado, se possível)
Patrícia,
ResponderEliminar“Bem...cada vez melhor...”
:)
“cada vez com mais vontade de lêr. Depressa, quero o resto!”
A parte IX está a meio… como disse devo acabar na X.
Beijinhos,
FATifer
Pax,
ResponderEliminar“Não é talvez, é mesmo. Eu é que sei :)”
Ok, ok tu é que sabes :P (mas cá para mim continuo no “talvez”)
“Obrigada a ti pelo prazer da partilha :)”
:)
Beijinhos,
FATifer
Teté,
ResponderEliminar“Ah, ah, estás a conseguir dar a volta ao texto! :)”
:)
“E continuo a ler tudo, tudo, mas a opinião reservo-a para o final...”
Confesso que estou com alguma expectativa de saber a tua opinião, porque sei que será sincera e objectiva. ;)
Bom fim-de-semana para ti também.
Beijinhos,
FATifer
Bem estou sem palavras apenas me ocorre dizer, MUITO BOMMMMMMMMM!
ResponderEliminarEsta lindo, e ao mesmo tempo da um aperto no coração a dor da Sofia, espero que tenha um final feliz:)
Es mesmo bom nestas coisas:)
Beijoka grande
Minhoca,
ResponderEliminar“Bem estou sem palavras apenas me ocorre dizer, MUITO BOMMMMMMMMM!”
:)
“Es mesmo bom nestas coisas:)”
Se continuam a dizer coisas destas ainda me convenço :P
(segundo acabei de verificar no teu espaço, também tens jeitinho ;) )
“Esta lindo, e ao mesmo tempo da um aperto no coração a dor da Sofia, espero que tenha um final feliz:)”
És tu e a Pax ;) … amanhã há mais…
Beijinhos e obrigado pelos elogios,
FATifer