quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Parte VI


O vento gelado provoca uma lágrima, é altura de fechar a viseira. Está no fim da 2ª circular, entrada da A1, debruça-se sobre o depósito e roda punho. Ouvir o fabuloso som do motor que sai pelos quatro escapes da sua MV Augusta F4 1000 AGO, enche-o de uma sensação de prazer indescritível.
Vai ao Porto ter com um amigo de longa data. Os quilómetros passam, num instante está em Leiria, onde pára para reabastecer e esticar as pernas. Toma um café e come uma chamussa. Segue viagem, regista com apreço o facto de muitos automobilistas lhe darem passagem. Devora quilómetros “área de serviço de Antuã a 20km”. Pára de novo, reabastece e segue.
Para entrar no Porto prefere a ponte da Arrábida, olha a cidade, aquele rio… há algo de mágico ali… por mais que prefira a sua Lisboa, tem de o reconhecer. Nunca sabe o caminho mas também nunca se perde. Avenida da Boavista…

- Sr. Comendador.
- Deixa-te dessas coisas, pá!
- Bieste na AGO só para me fazeres inbeja!
- Aaaa…. Sim!
- Sacana…
- Tu também foste no Murciélago da última vez que foste a Lisboa?
- Sim e depois?
- Ah nada, qualquer um vai de Lamborghini a Lisboa!
- Ok pronto estás desculpádo.
- Ah pronto, assim fico muito mais descansado!
- Arruma essa coisa de duas rodas na garage.
-Ok.

Há muitos anos que se conheciam e alimentavam esta rivalidade saudável quanto aos “brinquedos”. Sempre apreciara a forma como este amigo gostava, tal como ele, dos pequenos grandes prazeres gastronómicos. Sabia que o almoço seria especial nem precisava ver a ementa.
Depois do almoço falaram de negócios. Investimentos, ideias de expansão, internacionalização. Este amigo não era o empresário português tipo, não se importava de gastar dinheiro para ganhar mais, não considerava I&D uma despesa mas um investimento, considerava a inovação fundamental. Todas estas ideias tinham sido fomentadas por ele, que não queria ver o amigo desperdiçar o império que herdara do pai. Por isso o amigo lhe dizia, sempre que lá ia: “não queres ir ver o que ajudaste a criar?”. Desta vez não houve visita, ficaram pela conversa depois do almoço. Não tinha ido lá por causa de negócios mas para ver o amigo.

- Ok pronto chega de negócios.
- Sim…
- Então e tu, quando é que arranjas uma gaja?
- …
- E não me benhas com a história que a Isabel era única!
- Mas…
- Mas uma merda! A Isabel era uma bela mulher, não contesto, mas já não está cá!
- Porque insistes tu, em dizer-me isso?
- Porque é o que tens de ouvir! Porque não posso ver-te assim preso a uma memória!
- Carlos, eu não sou como tu, não troco de mulher como de carro.
- Pois, pois atira-me essa à cara. Eu ao menos vivo o presente, se uma me começa a chatear arranjo outra!
- Sim mas assim nunca vais encontrar aquela, a especial.
- Talvez… talvez não esteja à procura, já pensaste nisso?
- O que queres que te responda?
- A isso nada, temos formas diferentes de ber a bida mas o que quero que me respondas é à pergunta que te fiz!
- Qual pergunta?
- Não te faças de parvo, perguntei-te quando arranjar uma gaja?!
- … eu…
- Tu és um parbalhon é o que és!
- Epá, já chega. Agora é que me lembrei porque não te visitava há tanto tempo…
- Sim não gostas de oubir as berdades que te digo, não éi?
- Sim, deve ser isso.
- Pronto eu paro… e a Helena quando é que se casa?
- Mas será que só pensas nisso?!
- O que foi? Já está mais que na idade?
- Oh Carlos agora parecias o teu pai a falar…
- Achas? Estás enganado, ele teria dito: “ e a Helena não se casa?”
- Grande diferença…
- Tu que dás tanta importância aos pormenores não vês a diferença?
- Sim, sim… mas deixa lá a Helena viver a vida dela como entende…
- Tu não tens emenda, serás sempre uma merda de um romântico!
- Obrigado pelo elogio.
- …
- Não faças essa cara, eu sei que, à tua maneira, queres o meu bem…
- Pois, ao menos reconheces.
- Sim amigo… eu sei que gostas de mim.
- Quê? Que conbersa é essa?
- Tu também não mudas… mas és um bom amigo…
- Ah, assim está melhor!...
- Ahahaaah.
- …
- Bem tenho de ir, obrigado pelo almoço.
- Obrigado pela bisita, és sempre bem-bindo, mesmo sendo um romântico…
- Dá cá um abraço, oh garanhão!
- Podes crer!
- Garanhão e refilão!
- … bai de bolta à terra dos mouros seu murcon!
- Estava a ver que não dizias essa tua célebre frase!
- Tinhas saudades, confessa!
- Sim… Adeus amigo.
- Até à próxima murcon.


Para baixo a viagem foi feita mais depressa ainda.
Chega a casa, arruma o brinquedo na garagem… as palavras do amigo ainda lhe ecoam na cabeça “quando é que arranjas uma gaja?”. Não era a primeira vez que ele lho dissera mas talvez tenha sido a primeira vez que ficou a pensar nisso. Pensa consigo, como se falasse com ela:

- Isabel… por mais que digas para viver… sem ti… não…
Tenho feito muito, tenho visto a nossa filha crescer, tornar-se uma linda mulher, como tu…

- Não consigo colocar ninguém no teu lugar… sim já sei, não era no teu lugar era ao lado mas mesmo assim… não consigo…

Sobe a escadas, dá consigo a pensar no que pensou naquele dia, enquanto subia a mesmas escadas, depois da cena feita pelo sogro. Dois eus dialogavam dentro da sua cabeça:

- “Volto amanhã”? não te podias lembrar de algo melhor para dizer? Como vais tu voltar aqui amanhã depois desta cena?
- Ela é linda!
- Ela é linda mas o pai é louco!
- Mas ela é linda e gosta de ti, não viste os olhos dela?
- Sim.
- Não sentiste como se arrepiou ao sentir as tuas mãos?
- Sim, sim… mas…
- Mas nada, amanhã estás aqui como lhe prometeste.
- Pois estou…

Chega à sala, olha pela janela para o banco de mármore em frente á nogueira, iluminado pelas luzes do jardim mas vê o que a sogra viu tantos anos antes, como lhe confessara.

- Guilherme… estava com medo que não viesse.
- Isabel, o que lhe disse sobre o quando digo que faço algo?
- Sim mas depois da cena de ontem…
- Como está o seu pai?
- Foi ao Porto… negócios…
- Perguntei como não onde…
- O meu pai tem uma forma muito própria de estar mas acho que percebeu que gosto de si e ele respeita isso.
- Assim espero… assim como espero que tenha percebido que eu gosto de si.
- Gosta?

Ela não tinha acabado de sorrir e sentia já os lábios dele nos seus, resistiu, mais pelo inesperado que outra coisa. Uns segundos e estava a retribuir aquele beijo que seria, sem dúvida, a melhor resposta à sua pergunta. Quando ambos perderam o fôlego as bocas separam-se mas os olhares permaneceram fixos como recuperando uma conversa interrompida…


Recordar aquele beijo era uma das formas que tinha de se convencer que o amigo não tinha razão, de que só ela podia existir dentro dele… ninguém poderia entrar…

- Pai?
- …
- Pai?!
- Ah… sim filha…
- Parecia que não estava cá…
- Desculpa filha, estava perdido nos meus pensamentos…
- Então como foi a viagem? Como está o Carlos?
- Foi boa, fui na AGO.
- Ai sim, bateu o record?
- Não!... já não tenho idade para essas coisas, fui devagar…
- Faço ideia… e o Carlos?
- Sempre o mesmo, perguntou quando te casavas?
- Hum… para não variar, já pergunta isso desde que tenho 16 anos.
- Helena, aí era brincar…
- Acha?
- Achas que não?
- Meu pai, eu acho que se eu dissesse que sim ele casava comigo!
- O Carlos?
- Sim.
- Bem se calhar tens razão… imagina que voltou a perguntar-me quando é que arranjava uma gaja? Sim foram essas as palavras dele.
- Posso não concordar com as palavras mas sabe que concordo com as perguntas.
- Helena…
- Agora percebi o que estava a fazer aí à janela… por vezes vejo que não foi boa ideia insistir para que voltássemos a viver nesta casa.
- …
- Paizinho… ah a Sofia telefonou, disse que não atendeu no móvel…
- Pois devia estar na moto, eu senti tocar na verdade…
- Ela disse que não era nada de especial só queria conversar, depois tentava de novo…
- Ok obrigado pelo recado…
- Quer jantar?
- Sim vamos….


(continua)


FATifer

10 comentários:

  1. Ainda pensei que ele atropelasse alguma gaja na saída do Porto e casasse com ela... :(

    Está dificil de desencalhares o mouro!

    Também te digo que uma mulher que aceitasse viver com um homem agarrado assim a uma memória (fosse de uma viva ou fosse de uma morta)... não o aguentaria por muito tempo.

    Vê lá se aproveitas as férias para escrever, que quero mesmo ver onde isto vai dar :)

    Beijos :)

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  2. Pax,

    “Ainda pensei que ele atropelasse alguma gaja na saída do Porto e casasse com ela... :(“

    Lol
    (seria um crime espatifar uma moto daquelas! :P)

    “Está dificil de desencalhares o mouro!”

    Calma…

    “Também te digo que uma mulher que aceitasse viver com um homem agarrado assim a uma memória (fosse de uma viva ou fosse de uma morta)... não o aguentaria por muito tempo.”

    Pois criei um “monstro” mas … deixa ver que volta lhe vou dar… ;)

    “Vê lá se aproveitas as férias para escrever, que quero mesmo ver onde isto vai dar :)”

    Tentarei satisfazer a tua curiosidade… (continuo com alguma inspiração …) :P

    Beijinhos,
    FATifer

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  3. E já vamos a caminho do romance!!! :D

    Mui bueno... continuo por aqui...a seguir-te ;)

    Beijinhos
    P@pinh@

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  4. "(seria um crime espatifar uma moto daquelas! :P)"

    Ohh... não... as pernitas de alguma jeitosa é que não!
    Mas seria um toque apenas, não um assassinato mótal!

    Mesmo que desencalhes o "monstro", eu continuo a achar que as que perdeu já nunca mais as recupera ;)

    Cá estou à espera :)

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  5. Papinha,

    Continua com as minhas reservas em relação a chamar-lhe um “romance” não me parece que esteja à altura. Agora que tenho gostado de escreve, tenho. Também fico satisfeito de saber que agrada a quem lê. ;)

    Beijinhos e obrigado por leres,
    FATifer

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  6. Pax,

    “… assassinato mótal!”

    LOL, só tu!

    “Mesmo que desencalhes o "monstro", eu continuo a achar que as que perdeu já nunca mais as recupera ;)”

    Já concordei com a tua teoria agora pára de bater no desgraçado :P … como tu própria disseste algures, quando tomamos uma decisão queremos acreditar que é para nosso bem, se decidiu perdê-las… (bem já estou a defender um personagem que criei, tenho mesmo de acabar esta história senão ainda começo a falar com ele ou coisa parecida!)

    “Cá estou à espera :)”

    Quem espera sempre alcança! ;)

    Beijinhos,
    FATifer

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  7. "agora pára de bater no desgraçado"

    Esse "desgraçado" merece a porrada! Deixa-me lá fazer o gosto ao dedo :)

    "quando tomamos uma decisão queremos acreditar que é para nosso bem, se decidiu perdê-las…"

    Foi burrooooo!

    "tenho mesmo de acabar esta história senão ainda começo a falar com ele ou coisa parecida!"

    Bate na madeira!

    "Quem espera sempre alcança!"

    E também desespera :(

    Beijos :)

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  8. Pax,

    Pronto ok, faz lá o gosto ao dedo…

    “Bate na madeira!”

    Nock, nock…

    Não desesperes … ;)

    Beijinhos,
    FATifer

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  9. Estou ansioso pela parte VII, a história é maravilhosa. Já pensaste em fazer um filme com ela, seria uma bela história de amor.

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  10. “Estou ansioso pela parte VII”

    Estou a meio amanhã publico…

    “Já pensaste em fazer um filme com ela, seria uma bela história de amor.”

    Bem, tentei criar uma boa história. É para mim motivo de satisfação ver que estão a gostar de ler. Mais do que isso, não sei… como disse à Papinha, até classificá-la como “romance” não me é confortável…

    Volto a dizer que isto foi e é apenas um exercício de escrita, que me tem dado prazer. Se vos agrada ler tanto melhor.

    Abraço e obrigado por leres,
    FATifer

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